domingo, 23 de novembro de 2014

O dia em que meu celular não virou crack



“Dizem que existem momentos na vida de uma pessoa que mudam a vida dela pra sempre”. Era isso que estava gravando no celular para eu não me esquecer de como gostaria de começar o texto que eu viria a escrever assim que chegasse em casa. Por isso, caminhava com uma certa urgência. Queria escrever logo aquela história, a do Clebão, uma dessas figuras da cidade que passam por você e te contam sua vida. Desses seres que já passaram por tantas, que hoje carrega um saco de latinhas e um coração consertado. Mas essa é outra história, é pra depois. Não pode correr o risco de se tornar coadjuvante dessa história aqui. 

Por causa da urgência em escrever, deixei meus amigos e parti caminhando para casa. Quando terminei de gravar o texto no celular, fui abordada por uma voz – moça, eu só vou falar uma vez. Aquela fala e aquela voz não me eram estranhas. Há cerca de um mês, de pé, no ponto de ônibus, ouvi essa mesma voz, falando exatamente a mesma coisa para a moça que estava sentada a menos de 3 metros de mim. Mas nessa manhã, a voz estava ao meu lado e falava para mim. Queria um herói naquele momento. Desses que salvam pessoas em perigo em plena 5 da manhã no centro de São Paulo. Não, eles não existem. E na falta deles, resolvi sê-lo, herói de mim mesma. Justo eu, que sempre bati no peito e me gabei por andar tão confortavelmente pelas ruas do centro, a hora que fosse, sem nenhum infortúnio. Até ontem, até essa manhã. Em questão de segundos, me lembrei que na ocasião do ponto de ônibus, essa voz levou o celular da moça. Enquanto eu tentava confortá-la do susto, da invasão, concluímos que o celular dela seria trocado por uma ou duas pedras de crack do outro lado da rua. Não, meu celular não vai virar crack! Decidi então correr. Mas calculei mal a distância entre a rua e a calçada. Caí. Eu de um lado, celular do outro. Ouvi a voz vindo em minha direção, ouvi algumas vozes perguntando se precisava de ajuda. A voz do ladrão se defendia dizendo que eu tinha caído sozinha. A essa altura, joelho sangrando, já estava de pé, andava novamente, e a urgência era outra. Vi as três pessoas que perguntaram se estava tudo bem, saindo correndo quando o ladrão se aproximou. Me virei para o ladrão e gritei SAI! Assim, como se grita a um bicho. E ele saiu. 

Andando, tentando me recompor, caminhei de volta para a presença dos meus heróis, aqueles a quem eu tinha deixado por causa da urgência de escrever. Na volta pra casa, decidi ouvir o áudio que estava gravando no momento da abordagem. E para minha surpresa, está tudo lá. Das palavras que eu gostaria que dessem início à história que está por escrever, ao “sai”. E graças aos meus heróis amigos, fora um joelho roxo e menos inchado do que poderia estar se não tivesse sido cuidado por eles; fora uma sensibilidade por causa do que me acontecera - que convenhamos, não foi tão assustador assim, mas foi o suficiente para me fazer refletir; meu celular não virou crack.