sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Vejo a hora passar como quem já não espera mais nada.

A chuva cai, o sol nasce e se põe.

Contento-me em olhar os ponteiros.

Os das horas, dos dias, dos anos.

À sombra de sonhos e vontades, que se perdem em meio a delírios.

Da vida, só espero a morte.

Jazigo em poeira de estrelas, já sem brilho.

Espero contar com o ontem.

Desejo morto de quem já não enxerga a luz do dia.

Maldição das horas que insistem em não parar.

Ah, os ponteiros.

Tortos, soturnos, presos em seu próprio tempo.

Corroem por dentro sonhos de quem não sabe mais o que sonhar.

quarta-feira, 24 de junho de 2020


O dia começou atropelado e antes do meio dia, já quis morrer algumas vezes.
Já quis silêncio, escuro, lugar pra me aninhar e esperar a vida passar.
Quis desistir de tudo, quebrar o apartamento, gritar aos quatro ventos que nada mais faz sentido.
Gritei e quebrei tudo. Dentro.
Cacos despedaçados ao som de zunidos incessantes no interior de mim.
Perfurei veias em pensamento e deixei jorrar o sangue nesse salão de incertezas.
Por fim, dancei valsa com fantasmas que o habitam.

terça-feira, 9 de junho de 2020

Os remédios já não fazem mais efeito.

Falta vontade. Sobra silêncio.

Para fora do corpo, nada.

Dentro, vulcão em erupção.

Lava incandescente, quente e raivosa.

Campo minado. Bomba relógio.

Nenhuma palavra brota da boca.

Nascente seca. Silêncio paralisante.

Olhar perdido no caos de dentro.

Tudo se mistura ao sangue que sai da veia que rompe.

Sangue, suor, lágrimas, silêncio.


sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Abdução


Me abduzi de mim mesma, mas ainda sinto meu corpo.
As plantas da varanda secaram, mesmo regadas em considerável frequência.
Parecem estar dando sinais sobre prazo de validade. 
Talvez sobre o meu próprio, quem sabe.
Faz sentido, pensando na secura de minha própria garganta, apesar dos mais de 3 litros d'água bebidos hoje, até agora.
E na boca, um gosto amargo de nada. Que nada consegue tirar.
Quero dormir, mas não consigo.
As pílulas são fracas demais e não me fazem dormir o suficiente.
Dormir pra acordar em outra dimensão. Outro tempo. Outro ser. Outro seu.
As plantas querem dizer algo.
Tá quente aqui.
É o prazo de validade? O meu? O delas?
Essa foi mais uma daquelas noites: sonhos perturbadores nas poucas horas de olhos fechados.
Sustos, surtos, vida, morte.
Não sinto o gosto da água. Não sinto o cheiro do incenso.
Me toco mas não me sinto.
Descamo. Condeno.
Sinto que me abduzi de mim mesma. E já não sinto mais o meu corpo.

quarta-feira, 27 de novembro de 2019


torpe
   sinto 
      muito
         nada
            pele
               pelo
                  corto
                     coito
                        dilacero
                           sinto
                              alma
                                 inquieta
                                    penada
                                       silenciosa
                                          ruídos
                                             incessantes
                                                pressa
                                                   presa
                                                      prendo
                                                         amarro
                                                            solto
                                                               grito
                                                                  dentro
                                                                     fora
                                                                        falta
                                                                           pele

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Entremundos

Estou aqui. Pés fincados no chão. Olhando o mundo que construí. Mundo... muro... Construí?
Estou ali. Braços soltos no ar. Olhando para um mundo que não vivi. Seria ainda ou ainda será?
Estive lá. Sobrevoando memórias, caminhando sob a névoa em sonhos recorrentes. Revisitando sonhos. Repensando vida. Requerendo o que não quis.
Estou aqui. Presa entre mundos, buracos na parede, estado gasoso em liquefação. Quente e frio. Terra e ar. Rarefeito.
Vejo, mas não enxergo. Um ser inóspito habitante em mim.
Estou aqui, estou ali, estive lá.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Mosto

As cordas das relações estão puídas.
Convivência, quase insuportável para uns.
Insustentável para outros.
Flerto com os piores extremos de mim.
Reconheço a pequenez. enxergo um abismo profundo.
Estado bruto embriagado. Deuses da carnificina. Lua gélida. pálida. nada ilumina.
Gritar a voz rouca. os agudos que ferem dentro. Pontiagudos e imprecisos.
sangue derramado feito vinho.
Fermentado, grosso, amargo.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

re-corrente

objeto qualquer. 
pedra. nó. coisa inanimada.
sem vida.  
onde não se sabe bem. 
coisa impedidora.
de fala. riso. ar. vontade. 
coisa qualquer. 
causadora de amargamento.
ressecadura. 
travação de mandíbula. 
acinzamento de vista. 
turvo. nevoeiro escuro. 
cenário do sonho de sempre.
escuro. outra vida. morte. 


quinta-feira, 18 de outubro de 2018

deus, quem?


Sou filha da dor. De uma dor.
Uma dor sentida por uma mãe que não abortou. Mas o pai sim. Um genitor que não quis saber da cria. Que pediu que ela [a mãe] abortasse, em nome de sua família.
Sua família.
Tenho uma “irmã” que data a mesma idade que eu.
Sou filha de uma dor que, a princípio, não deveria ser minha. Mas trago em mim, a dor sentida pela minha mãe.
Minha mãe não me abortou. Meu “pai” sim. A ele foi dado o direito de escolher não querer ter a filha. Filha eu, que somo na estatística dos mais de 5 milhões de filhos abortados pelos pais nesse país.
Filhos que seguem vivos. Mães que seguem sendo pães.
Houve então um outro homem, que durante todos os anos que esteve com minha mãe, fazia questão de lembrá-la do quão bom era ele, por ter “aceitado” então, essa mulher que já tinha uma filha.
A esse homem, sou grata. Mas minha gratidão não me cega diante das minhas críticas. Nem da dor que senti em todas as brigas, ameaças e agressões – mais verbais, que físicas, é fato – ainda assim, agressões.
Sou branca, privilegiada. Tive uma avó, que estudou até a quarta série, e que talvez por isso, tenha feito o que pôde para me matricular em boas escolas, nas aulas de inglês, de balé, de teatro.
Tive um avô que me alfabetizou em casa, me incentivava à leitura, que nunca ignorou minhas paixões e me fez acreditar que tinha asas. Porque mesmo que o voo doesse, ele sempre deixou claro que o ninho “do vô” estaria sempre pronto à minha espera, caso fosse preciso.
Não foi preciso. Ainda.
Luto com forças que nem sei de onde. E são muitas as vezes, como agora, que as forças me faltam. Me faltam, me sinto vazia, sozinha e amedrontada.
Ao homem que “me fez”, não tenho nem o que dizer, a não ser palavras como abandono e covardia.
Ao segundo, o que me criou, repito que sou grata. Mas ele só não me fez descrer de deus porque em algum momento de minha vida eu consegui entender que o deus pregado por ele, era muito diferente do qual eu acreditava.
Eu, se vem ao caso, acredito em um deus de amor. De tolerância, de compaixão. E não de punições e pragas rogadas. Não de julgamentos e acusações. Acredito, meu senhor, que deus é um cara bacana, que pregou nada menos que o amor. E por mais vazia que me sinta hoje, ainda acredito no amor que podemos sentir uns pelos outros.
E é exatamente por isso que discordo de políticas que sejam feitas a partir desse deus, defensor da moral e da ética controversa. Do deus presente na missa [ou no culto] e ausente no irmão que passa por você na rua.
Desacredito de qualquer bandeira levantada para um deus. Pois acredito que o deus dessa bandeira não é o que prega o amor, mas o ego e a intolerância. É fácil comer hóstia no domingo às 19h e agredir a família, no mesmo domingo, às 21h.
Acredito no amor. E na arte. Entendo que as possibilidades não estão disponíveis para todos. E que é preciso haver coragem para seguirmos vivos. E olha, ainda desconheço a força que faz com que tantos queiram existir nesse mundo mesquinho de julgamentos e privilégios.
Converso com alguns. Ouço suas histórias. Escuto, me comovo, e infelizmente é tudo o que consigo fazer agora. Me dói ser só ouvidos, mesmo tendo ouvido de tantos que isso basta. E por isso, nunca os deixo ir sem um abraço. Um abraço. Ouvidos e abraço: vá em paz. É o que sempre digo.
O Transeuntes, meu projeto eternamente engavetado, nasceu assim. Das histórias que muitos têm para contar e poucos querem ouvir.
Hoje, além do meu próprio vazio, sinto medo. Medo dessas pessoas que dizem ser “pela família”. Desses que bradam “deus acima de tudo”, e que não conseguem diferenciar deus das suas próprias crenças. Dos seus próprios egos.

sábado, 13 de outubro de 2018

Silêncio dos dias

Quero silêncio. Profundo e absoluto. 
Procuro, mas não encontro. Apago as luzes. Nada. 
Os fantasmas de minha mente não se calam. 
Rebelam-se. Se alvoroçam. 
Não sou propriedade de ninguém. Nem minha. 
Às vezes não pareço dona nem de minh'alma. 
Nada. Controlo nada. 
Nem os fantasmas que se recusam a silenciar-se. Falam. 
Juntos, falam alto, todos. Ao mesmo tempo. Não entendo. 
Tento não mais ouvir suas vozes. 
Não me obedecem. Vozes. Falam. Gritos e sussurros. 
Todos ao mesmo tempo. Tempo. Temo. 
Quero o silêncio. Silencio-me. A casa, luzes apagadas. 
Me enxergo pela fresta da cortina. 
Barulho algum, ou chiado, ou ronronar do gato. 
Mas não há silêncio. Dentro. 
Vozes. Vozes. Vozes. 
Frases sem sentido. Concordâncias malfeitas. 
Pretérito imperfeito. Futuro que não enxergo. 
Ameaço. Peço. Calem-se. 
Silenciem-se todas ou as mato. 
Seria o quê pior que matá-las?
Deixar que então me matem, quem sabe?
Não sou propriedade. Nem minha, nem delas. 
Procuro o silêncio. Não acho.